01 dez Relatos de um tatuador: Pequenas salas, grandes negócios
Hoje o texto escrito é pelo Mateus, o famoso Cholas! Ele é tatuador e empresário, sócio da Crooked, e hoje nos relata o começo da sua carreira, todos os perrengues que passou antes de conseguir ter seu sonho realizado!
Os Sonhos
O estúdio que hoje se tornou a Crooked Tree Ink House surgiu como um sonho meu e do Aulus, que foi meu mentor no começo da minha carreira e hoje é meu irmão de vida e profissão.
Desde que o conheci sempre falávamos de um espaço onde os moldes de aprendiz de tatuagem eram diferentes, onde quem quer aprender está lá para conhecer os fundamentos da arte como um todo e não ser explorado por uma ideia de “dívida” pelo conhecimento repassado.
Queríamos um lugar que extrapolasse o universo da tatuagem que muitas vezes era limitado a paredes com cores escuras, música pesada, um visual não muito amigável.
Sempre entendemos a tattoo como um processo estressante e doloroso para o cliente, mas também para o artista, com isso criamos um conceito de espaço que fosse relaxante, com várias plantas e cores leves, música de qualidade e que extrapolasse o rótulo de um só estilo, vinda de uma curadoria inteiramente nossa, que fosse um espaço interativo e de uma vibe alegre, daí o conceito aberto para aumentar a comunicação.
Disso tudo formou o estúdio de tatuagem que tratamos como casa hoje, desde nossa primeira empreitada quando abrimos aquela salinha pequena na Savassi até agora com a casa nova, sempre fizemos questão de fazer todo o projeto arquitetônico, Aulus é arquiteto de formação e eu sou designer. A Crooked se tornou mais que um espaço, se tornou um conceito.
Hoje todos tatuadores seguem uma dinâmica de trabalho e aprendizado, todo mundo se sente responsável pelos novos aprendizes e existe um sentimento de colaboração e fraternidade incrível entre todos.
Como decidi me tornar tatuador?
Sobre meu começo neste universo. Sempre gostei de tatuagens, desde novo desenhei no meu corpo, mas nunca imaginei que seguiria essa carreira.
Tinha a ideia, equivocada, de que empregos não convencionais não seriam dignos de alguma forma, muito pelo o que a sociedade nos impõe, pelo direcionamento dos meus pais que gostariam que tivesse um emprego estável, pelo julgamento de minhas amigas e amigos.
Por conta dessa pressão, que começou como algo externo mas invariavelmente foi internalizada por mim, acabei cursando um ano de Administração. O dia que tomei para mim que eu errei na escolha foi quando fui fazer uma prova na UFMG e, atrasado, me deparei com uma certa… Comoção, na cantina.
Tava rolando uma intervenção artística, mais especificamente um campeonato de break dance, e aquilo me hipnotizou. No meio daquela bagunça, perna para cá, mão para lá, mais ou menos na hora que um bom samaritano me entregou a segunda lata de Red Bull, percebi que havia uma hora que a prova estava acontecendo. Foi quando entendi que era o momento de mudar de curso pois aquele tinha tão pouco a ver comigo que a primeira distração que apareceu me perdi.
Hoje sou formado em Design. Embora muito mais livre, ainda percebia no curso amarras que limitavam minha criatividade. Uma espécie de gaiola que impedia que chegasse onde desejava, queria. Nesta época eu já desenhava minhas próprias tatuagens e, em uma ida a um estúdio de tattoo, um pessoal que estava na sala de espera pediu para tatuar meus desenhos – foi aí que minha curiosidade acabou crescendo.
Nunca imaginei que as tatuagens que eu criava como algo totalmente pessoal pudessem ter apelo para quem estivesse de fora. O que me fez apaixonar com o meio foi a liberdade criativa que ele proporciona.
Foi difícil conseguir espaço – claro que ainda tenho um longo caminho para evoluir – mas na época meus desenhos ainda estavam muito “crus”, eu tinha dificuldade e uma certa preguiça de aprender na parte de estruturação, que é a mais importante para mim hoje no desenho. Outro problema: o meio artístico tem muito ego e muitas pessoas não querem ajudar, seja por não querer “competir” ou por não te ver a altura deles.
De alguma forma você é percebido como “não digno” para aprender o que eles batalharam tanto para conseguir – o que é muito errado, tem espaço para todos e o aprendizado é uma eterna troca: eu aprendo para evoluir e para ajudar quem busca a mesma coisa.
Hoje em dia gosto de estudar o tempo inteiro, tenho feito cursos de história da arte em geral, da tatuagem em particular, lido livros de autores considerados referência na estruturação do desenho e, claro, acompanhando cada vez mais trabalhos de outros tatuadores. É importante sabermos de onde viemos para assim definir onde queremos chegar.
Antes de ter meu próprio estúdio…
Passei por 3 estúdios antes de abrir o meu. A chave para a evolução está em “quanto tempo do seu dia você dedica aos estudos”, e a parte mais importante do processo é o desenho, transformar em tatuagem se torna algo natural quando a ilustração já está concisa.
Aprendi bastante em todos locais que passei – principalmente assistindo o processo, ver a forma que os traços são formados, como a tinta reage na pele, tentar entender os movimentos do maquinário – quando você entende o funcionamento passa a entender como transformar o traço de lápis no papel em tinta na pele. Assim como sair do lápis de grafite para pinturas a óleo, por exemplo, você só precisa entender o seu equipamento e a superfície que está sendo aplicada, quando esses dois fatores forem compreendidos tudo fica fácil e a evolução é exponencial.
Qual a receita para se atingir o sucesso?
Claro que estou falando da minha trajetória, cada um tem a sua e não existe um caminho certo, ou uma receita que torna tudo mais fácil, o que o mundo artístico exige de nós é dedicação, empenho, é se apaixonar por aquilo que faz e ter sempre o senso crítico de que queremos atingir a perfeição, porém ela é inalcançável, o processo de aprendizado vai durar eternamente.
Trabalhar com criação é algo muito gratificante, porém sempre desafiador. Se você quer ser um bom profissional, todos os dias você acaba criando uma espécie de competição consigo mesmo, para que a sua tatuagem de hoje seja sempre melhor do que a de ontem.
Essa competição – desde que não vire uma obsessão paralisante, te travando na hora do trabalho – é o que vai te mover todos os dias para entregar algo que realmente te dê orgulho, algo para seu cliente olhar no espelho e perceber que aquele sentimento que ele tinha internalizado, quase que engasgado dentro de si, agora está exposto em sua pele, uma espécie de desabafo como toda forma de expressão artística. A forma como você profissional compreende esse desabafo é o que vai resultar em uma criação única.
Uma dica para quem tá no corre…..
A melhor dica que se pode levar para vida é que o estudo deve ser algo constante. Tento estudar cada vez mais já que nossas concepções acabam se transformando ao termos contato com novas ideias, formas de trabalho e inovações, sejam elas no âmbito da criação, técnico, ou até do maquinário. Somos eternos aprendizes e, se quisermos nos superar sempre, é importante ter humildade, saber que existe um longo caminho a seguir e respeitar a trajetória de cada um.
O ambiente que a gente se insere interfere diretamente no nosso trabalho, no caso de um estúdio de tattoo a gente precisa que ele seja fluído para ajudar a ficarmos livres para criação. Tatuagem é um processo agressivo, é doloroso e desgastante, a pessoa que se dispõe a passar por ele vai ter que sobreviver a um teste de resistência.
Tendo isso em mente, é nosso papel transformar a experiência na mais agradável possível, principalmente na forma como atender o seu cliente. Independentemente de você trabalhar em um estúdio enorme, ou estar no começo de carreira dentro de casa, além da limpeza e assepsia do local para segurança dos envolvidos, você deve ter um ambiente que vá dar tranquilidade a pessoa, um lugar que seja agradável para que se sinta bem e queira voltar.
E claro, precisa ter a sua cara, não adianta uma pessoa que faz tattoos delicadas ter um ambiente carregado e com clima pesado, tudo é um conjunto, sua identidade deve refletir no seu estúdio.
Gentileza gera……
O seu ambiente deve trabalhar para você. Por exemplo: quando um cliente me procura e no dia sentamos juntos para discutir a ideia, tem grande chance dele me ouvir e acatar minhas alterações, pois eu e o Aulus, desenhamos todo o espaço pensando em como deixar as pessoas se sentindo em casa, um espaço que passasse confiança no nosso gosto pessoal, que fosse aconchegante e que nos mínimos detalhes tivesse a nossa cara.
Espaço: A importância de um espaço acolhedor e aconchegante
No início fomos nós que fizemos a obra, pintamos o teto, quebramos paredes. Tudo para poder olhar e falar que ficou exatamente como desenhamos e queríamos. A mistura dos materiais orgânicos com industriais lembrando nosso uso da geometria com traços menos racionais – tudo foi pensado – mas, claro, não precisa disso tudo, requer investimento, etc. Para quem está começando basta os simples detalhes: se você gosta de desenhar botânica, não ter nenhuma planta no seu espaço acaba sendo contraditório, por exemplo.
Tatuagem é uma experiência e quanto mais completa, melhor será a marca que deixará no seu cliente. Algo que esteja além da pele.
Quando se está montando seu próprio espaço é importante entender seu público, é preciso entender seu estilo. Meu tipo de público normalmente gira em torno dos 20 e poucos anos até os 40, já tatuei pessoas desde 18 até muito acima dos 50, porém esse é o mais comum. Por não ser um estilo tradicional, – Sketch -, apesar de estar em grande ascensão, são pessoas com contato com a arte, que buscam algo diferente e estão abertos a extrapolar suas próprias ideias, sabem que o que imaginam como resultado não vai ser o que vou apresentar.
O mercado está muito saturado? Tem espaço para mim?
Quanto ao mercado, não tem o que se preocupar com a saturação, está sim aumentando exponencialmente o número de pessoas que buscam firmar carreira no mundo da tatuagem, mas juntamente com isso a tatuagem tem cada vez mais deixado de ser tabu, o número de possíveis clientes tem crescido muito até mesmo em profissões mais conservadoras, como Direito e Medicina.
Deixem a competição de lado e busquem sempre crescer juntamente com quem está ao redor.
Ajude quem está começando e te garanto que você vai crescer junto.
Eu me cerquei das pessoas que admiro, são minha maior inspiração e a cada dia do lado deles vejo que cresço mais, me desenvolvo, um consegue absorver do outro e assim tentar alcançar o ápice da sua criatividade e execução técnica. Existe mercado para todos e não tem porque ter medo da concorrência: quem busca seu trabalho, quer ele porque é seu, porque você tem aquela forma de tatuar. A única competição necessária é a que temos com nós mesmos, o eu de hoje quer ser melhor que o de ontem.
O importante quando se está abrindo um estúdio de tatuagem é entender que impacto quer causar, qual suas intenções perante o resto do mercado, da cena artística, daqueles que estão começando e precisam de ajuda.
Qual impressão quer que os clientes tenham de você, quem quer trabalhando do seu lado?
Temos que estar dispostos a errar, e estar de prontidão para solucionar esses problemas, e principalmente aprender com eles. Comecei como aprendiz, virei tatuador, abri uma salinha, contratamos os primeiros tatuadores, recebemos os primeiros aprendizes, abrimos o segundo estúdio, fechamos ele (hehe), expandimos a salinha para uma casona, abrimos a filial na Bahia.
Ufa, muita coisa até aqui, a ambição tem que estar presente em quem quer ter um estúdio de tatuagem então estamos só começando a trajetória.
Dá muito trabalho? Sim! Então tem que amar muito, se apaixonar todo dia pelo trabalho, pelo espaço, por tudo que quer construir.
Quando pensar em construir algo pense, já deu lar para sua criatividade hoje? E para a dos outros?
E quando der, lembre-se de que estamos surgindo para quebrar a competitividade, o ego entre estúdios só prejudica. Criar algo novo para crescer de mão dada, a arte vence no fim.
Se quiser ver a entrevista que fizemos com Cholas é só dar o play aqui! Gostaram do texto? Eu achei incrível!
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